Phone Booth (2002)


A inspiração é como um raio de sol no Pólo Norte. Por vezes abunda, por vezes não se vislumbra sinal. Por volta dos anos 60, surgiu a Larry Cohen a ideia de realizar um filme cujo único cenário seria uma cabine telefónica. Foram necessários mais de trinta anos para criar um enredo sólido à volta dessa ideia, que culminou em Phone Booth (intitulado em Portugal Cabine Telefónica).

Stu Shepard (Colin Farrell) é um publicitário arrogante e sem escrúpulos. Após um dia de trabalho resolve utilizar uma cabine telefónica para contactar uma jovem actriz (Katie Holmes) sua cliente da qual procura algo mais que uma relação profissional. Ao entrar na cabine é abordado por um indivíduo (Dell Yount) a quem lhe foi paga a entrega de uma pizza naquele local. Stu pede-lhe, de forma bastante rude, que abandone o local. Terminada a chamada, Stu ouve o telefone da cabine a tocar e, de forma automática, atende-o. Do outro lado da linha alguém (Keifer Sutherland) informa Stu que o conhece bastante bem e às suas mentiras. Stu, partindo do princípio que se trata de um gracejo grosseiro, reciproca na sua maneira natural. A voz informa que vai confrontar a mulher de Stu e desliga. Perturbado, Stu espera à beira da cabine até que o telefone volta a tocar. Desta vez a voz informa Stu que o está a ver pela mira telescópica de uma espingarda de alta precisão e que caso não admita à sua mulher as suas tentativas de adultério será abatido. Stu, utilizando a sua especialidade, tenta manipular a voz sem sucesso. Stu é obrigado então a admitir a verdade ou sofrer as consequências.

O enredo é bastante bem estruturado apesar de ter sido desenvolvido à volta de uma ideia tão simples. A voz estava preparado para qualquer situação que Stu considerasse, mas nunca de forma extraordinária, apenas ponderou todos (ou quase todos) os possíveis cenários da situação e preparou-se atempada e meticulosamente.
Algo digno de nota, o personagem principal sofre as cinco fases contempladas no modelo de Kübler-Ross (conhecido popularmente como as cinco fases de luto), o que, no caso de se ter uma espingarda apontada, é bastante natural.

Ainda assim, não é de longe um filme perfeito. Devido à sua curta duração (quem iria permanecer numa cabine telefónica durante duas horas?) foram adicionadas pequenas cenas que não se inserem de forma muito homogénea, como é o caso da narração ao início que trata de nos informar que vivemos numa era tecnologicamente avançada (obrigado pelo aviso). Um dos telefonemas que Stu recebe é suposto ser humoroso, encontrando-se do outro lado da linha um rapper branco com uma voz esganiçada que parece saído de um qualquer filme de adolescentes.
Quanto à voz, apesar de ser um indivíduo de inteligência acima da média e com a missão auto-incumbida de erradicar o mal (ou melhor, a sua versão de mal), entretém-se demasiado a ludibriar Stu, a tentar provocar acidentes fatais e a colocar a sua vítima em situações embaraçosas. Evidentemente o assassino é um indivíduo perturbado, mas ainda assim parece mais um gato a brincar com a sua presa do que o paladino que imagina ser. Uma conversa algo dissimulada entre o Capitão Ed Ramey (Forest Whitaker) e Stu (que permite ao Capitão confirmar a sua suspeita que um atirador furtivo está a obrigar Stu a permanecer na cabine) mostra uma face não muito coerente com o personagem que é a voz, uma vez que, conhecendo a situação, subentende-se que os dois estão a tentar passar informação. No entanto, o atirador parece algo insciente do sucedido.
Uma questão pertinente que o personagem principal faz (assim como a maioria dos espectadores) consiste na razão de este ser o alvo da voz, após um pedófilo e um empresário corrupto, sendo ele apenas um mentiroso. A questão parece ser evitada, apenas podendo ser explicada pela natureza instável da voz.

Phone Booth é um thriller inteligente, com bons desempenhos por parte dos actores principais. Tem a duração correcta para a premissa apresentada, podendo ser apreciado por qualquer um com uma hora e um quarto disponíveis.

Cotação final:

Con Air (1997)


A indústria cinematográfica de Hollywood tem os seus altos e baixos. Altos modestos e baixos colossais. Esta obra situa-se temporalmente num dos supracitados baixos, quando génios do dispêndio de celulóide resolveram que se deveria em primeiro lugar contratar o máximo de nomes sonantes possíveis, colocando em segundo plano o não muito necessário enredo.

Cameron Poe (Nicolas Cage) terminou o seu contrato com os Rangers e pretende iniciar uma família com a sua esposa (Monica Potter). Infelizmente, durante o seu reencontro três indivíduos severamente ébrios resolvem incomodar o casal o que leva a um conflito que é eficazmente resolvido por Cameron graças ao seu treino. Um dos indivíduos é ferido mortalmente e Poe é condenado a oito anos de prisão. Após cumprir a sua pena, Poe e o seu novo amigo presidiário Baby-O (Mykelti Williamson), talvez o criminoso mais afável do Mundo, entram numa aeronave destinada a transportar criminosos. Por obra do destino, os seus companheiros de viagem são apenas alguns dos assassinos, violadores e meliantes avulso mais perigosos do país. Evidentemente a ave de metal é guardada pelos oficiais mais inúteis da História e é facilmente controlada pelos grandiosos cérebros criminais. A trama intensifica-se quando Baby-O não possui os meios para injectar a insulina que o seu pobre metabolismo diabético tanto necessita, obrigando Poe a ir para além do seu limite para salvar o seu camarada. Acção, explosões, sotaques terríveis e diálogo doloroso nesta obra de arte que o vai deixar hipnotizado até ao último segundo (a descrição pode não corresponder à realidade).

Apesar do carácter quase anedótico da premissa, não se pode ignorar a originalidade da mesma, apesar da exploração deficiente do tema. A qualidade dos actores principais é, evidentemente, inquestionável (como se pode verificar pela elevada concentração de estrelas: Nicolas Cage, John Cusack, John Malkovich, Ving Rhames, Steve Buscemi, Danny Trejo e até o cómico Dave Chappelle) e estes parecem bastante entretidos com as suas partes, provavelmente pela lembrança do salário obsceno que certamente arrecadaram por tão simples encenação.

Dada a natureza da película, muito se pode perdoar no que toca a exageros da realidade. Ainda assim Con Air esforça-se por ir mais longe, tornando algumas cenas completamente ridículas. Durante a tomada de posse do avião, um agente infiltrado (José Zúñiga) tenta controlar a situação, que culmina num leve caso de morte para o próprio. Os prisioneiros vêem-se, um pouco mais adiante na trama, obrigados a trocar a farda de um dos guardas pelo traje prisional do falecido agente. Num caso realístico, os delinquentes deparar-se-iam com um leve problema, uma vez que a farda se ajustava perfeitamente ao agente que se encontrava numa forma invejável dificilmente encaixaria na pança do guarda de meia idade. Além do mais, tendo em conta que esta troca serviria como engodo a guardas prisionais não invisuais, torna-se estranho optar por uma farda com um buraco de bala coberto de sangue no peito. Dentro deste reino onde a realidade é barrada à entrada, o renomeado agente Duncan Malloy (Colm Meaney), ao invés do esperado, é uma caricatura, o agente idiota com ilusões de poder que apenas estorva e que, conjuntamente com Poe, desperdiça as inúmeras oportunidades de terminar a perseguição.
Algumas partes parecem inseridas no filme com o singular intuito de prolongar a nossa dor, como é o caso da visita bombástica à cela de Cyrus Grissom (John Malkovich), que não acrescenta absolutamente nada à história. Por vezes esta técnica é utilizada quando a película não tem a duração necessária para ser considerada uma longa-metragem e, logo, não tem a exposição pretendida. Este não é o caso uma vez que o filme exerce o seu poder durante quase duas horas, tornando estas cenas completamente desnecessárias.
O sotaque utilizado por Cage em conjunto com as fracas linhas de diálogo podem causar aneurismas e devem ser evitados ao máximo. A tentativa de inserção de alguma cultura e moral por detrás das razões dos criminosos é atroz e totalmente fora de contexto. Existem também inúmeras referências ao catolicismo sem razão aparente.

Apesar de todas as suas falhas, é um filme de acção decente que, quando visionado, não o deve ser com demasiada atenção.

Cotação final:

Animal Crackers (1930)


Traduzido de forma praticamente literal do musical da Broadway seu homónimo (e com os mesmos personagens protagonizados pelos mesmos actores, por isso mais uma versão filmada do que um homónimo), Animal Crackers chega ao grande ecrã durante a Grande Depressão.

O estilo de humor característico desta altura dos irmãos Marx foi a solução exacta para o cidadão americano comum reencontrar a sua gargalhada, com as suas incessantes piadas, trocadilhos e observações, balanceando com humor físico. A verdade é que as piadas já na altura estavam algo cansadas, mas ao ser bombardeado por dezenas por minuto e algumas alterações de piadas clássicas é díficil manter uma postura séria durante o visionamento desta obra.

A permissa do filme é algo simples, até porque o enredo é escasso e muitas vezes esquecido, entre as deambulações, paródias e rotinas cómicas dos quatro irmãos (bem, três, uma vez que um deles pouco aparece no ecrã). Fazer pouco sentido faz sentido neste filme, visto que até o próprio título nada tem a ver com o filme. É como que um conjunto de sketches ligados por uma fina e frágil linha de coerência. Mrs. Rittenhouse (Margaret Dumont) tenciona abrir as portas de sua mansão para um grande evento social no qual Capitão Jeffrey T. Spaulding (Groucho Marx) é o convidado de honra, de volta da sua expedição por África, pronto para contar as suas lendárias histórias de coragem que são provavelmente um tanto ou quanto exageradas. Existe também um quadro extremamente valioso exposto na casa para deleite dos convidados. A trama atinge o seu pico ao verificar-se que o quadro foi substituído por uma falsificação, após ter sido substituído por outra falsificação (esta mais fiel ao original). Cabe ao Capitão descobrir o paradeiro da obra de arte. O trabalho não é muito bem feito, constantemente interrompido por jogos de bridge e canções inacabadas por um par de músicos que por lá deambulam (Harpo e Chico Marx).

Esta película é, de facto, uma das melhores obras dos irmãos Marx, com o seu humor irreverente e cenas musicais vindas de lado nenhum, tempo comédico excelente, como o artista que recebe mais se não tocar, o homem que mata relógios e uma declaração de joelho no chão com as calças arregaçadas, enquanto declama as acções que deveria estar a realizar, como se estivesse a ler o guião.

Pontos negativos vão para a entrada de Spaulding, que pode ser considerada racista nos tempos que correm, ao chegar carregado por o que parece ser uma tribo de negros, mas passa algo despercebida com a inundação de piadas que o Capitão nos proporciona mal sai do seu veículo. Quem procura um filme com profundidade ou algo semelhante a um enredo necessita afastar-se o mais possível desta obra, assim como quem não domina minimamente a língua inglesa, uma vez que metade do humor é perdido na tradução dos trocadilhos. As transições onde por vezes cortam parte de um take é bastante visível, mas normal devido à idade da película. A arca pertecente a John Parker (Hal Thompson), o artista com problemas financeiros, é algo desnecessária e parece fora do carácter adoptado pelo filme.

No geral, é um bom filme que qualquer amante de comédia leve pode apreciar.

Cotação final: